1. INTRODUÇÃO
A rescisão indireta é um mecanismo jurídico de proteção ao trabalhador contra abusos e descumprimentos contratuais por parte do empregador. Prevista no art. 483 da Consolidação das Leis do Trabalho ( CLT). O contrato de trabalho rescindindo indiretamente é uma forma de desligamento pouco conhecida, mas extremamente relevante no combate a abusos e irregularidades nas relações laborais.
Popularmente conhecida como a “justa causa do empregador”, essa modalidade de rescisão permite que o empregado rompa o vínculo empregatício sem perder seus direitos, quando o empregador comete faltas graves previstas em lei.
O presente artigo visa explorar os fundamentos legais da rescisão indireta, as principais condutas patronais que autorizam sua aplicação, os direitos assegurados ao empregado nessa modalidade e os cuidados procedimentais necessários para seu reconhecimento judicial.
E, ainda, tem o objetivo de explicar, de forma clara e prática, o que é a rescisão indireta, quando ela pode ser aplicada e quais são os direitos e deveres de cada parte nesse processo.
2. FUNDAMENTAÇÃO LEGAL
O que é Rescisão Indireta?
Prevista no art. 483 da CLT, a rescisão indireta ocorre quando o empregado, por iniciativa própria, decide romper o contrato de trabalho em virtude de faltas graves cometidas pelo empregador. Ao contrário do pedido de demissão, nesse caso o trabalhador mantém o direito ao aviso prévio, saque do FGTS com multa de 40%, seguro-desemprego e demais verbas rescisórias, como se tivesse sido demitido sem justa causa.
A CLT, elenca hipóteses que autorizam o trabalhador a considerar rescindido o contrato de trabalho por culpa do empregador. Entre as causas estão: exigência de serviços superiores às forças do empregado, tratamento com rigor excessivo, risco manifesto de mal considerável, descumprimento de obrigações contratuais e atos lesivos à honra e boa fama do trabalhador.
A jurisprudência trabalhista tem evoluído no sentido de reconhecer a rescisão indireta em situações como o não pagamento de salários, atraso recorrente, assédio moral ou físico, redução salarial unilateral, entre outras práticas abusivas.
Diversos tribunais regionais e o próprio TST têm reconhecido a rescisão indireta em casos recentes como:
· Mudança unilateral do horário de trabalho sem justificativa, considerada falta grave pela 2ª Turma do TRT ( TRT 18ª Região, TRT 2ª Região).
· Atrasos frequentes no pagamento de salários, gerando dívidas e despesas ao empregado.
· Falta de pagamento conforme acordos coletivos, remunerando o trabalhador abaixo do previsto, reconhecida como motivo suficiente para rescisão indireta.
· Negação de intervalos intrajornada e não pagamento de horas extras, julgados pelo TST em decisões automáticas recentes (RRAg-1000642‑07.2023.5.02.0086) ( trt20.jus.br).
3. REQUISITOS
Para o reconhecimento judicial da rescisão indireta, é imprescindível que o trabalhador comprove a conduta faltosa do empregador. A prova pode ser documental (comprovantes de salários não pagos, advertências injustificadas), testemunhal (colegas de trabalho), pericial (laudos médicos que evidenciem assédio ou insalubridade), entre outros.
De acordo com a CLT, algumas situações que justificam a rescisão indireta são:
· Exigir serviços superiores às forças do trabalhador ou proibidos por lei;
· Tratar o empregado com rigor excessivo, humilhações ou assédio;
· Não pagar salários ou atrasar pagamentos sistematicamente;
· Reduzir a carga salarial de forma injustificada;
· Expor o trabalhador a riscos à saúde e segurança;
· Descumprir cláusulas contratuais ou normativas coletivas.
Esses e outros abusos podem ser provados por meio de testemunhas, registros de ponto, comunicações internas, laudos médicos ou documentos e não se recomenda que o trabalhador abandone o emprego sem respaldo jurídico, sob pena de a conduta ser interpretada como abandono de emprego, resultando na perda de direitos.
Antes de abandonar o emprego ou tomar qualquer atitude precipitada, o empregado deve:
1. Buscar orientação jurídica com um profissional especializado;
2. Reunir provas da conduta abusiva;
3. Registrar boletins de ocorrência, denúncias ao sindicato ou ao MPT (Ministério Público do Trabalho), se necessário;
4. Ingressar com ação judicial, requerendo a rescisão indireta perante a Justiça do Trabalho.
O rompimento só deve ocorrer após deferimento judicial, salvo em casos extremos que coloquem a integridade física ou psicológica do trabalhador em risco imediato.
Para os empregadores, é fundamental manter um ambiente de trabalho saudável, ético e dentro da legalidade. As principais orientações são:
· Cumpra integralmente as obrigações contratuais e legais;
· Documente advertências, acordos e avaliações de desempenho;
· Invista em treinamentos sobre conduta e assédio;
· Mantenha canais internos de ouvidoria e diálogo com os empregados;
· Consulte advogados trabalhistas preventivamente.
A prevenção é sempre o melhor caminho para evitar litígios e preservar a imagem e a segurança jurídica da empresa.
4. CRESCE A CONSCIENTIZAÇÃO E AS AÇÕES TRABALHISTAS
Nos últimos anos, o Brasil registrou um aumento expressivo no número de ações de rescisão indireta, refletindo uma maior conscientização dos trabalhadores sobre seus direitos e maior exigência de responsabilidade por parte dos empregadores.
Entre 2022 e 2023, houve um crescimento nacional de 54,45 % no número de novas ações envolvendo rescisão indireta, passando de 279.044 para 430.980 casos como cita a Capital News (2024). Em São Paulo, os processos saltaram de 91.138 para 144.912, enquanto Alagoas registrou o maior aumento percentual, de 122 %, passando de 2.091 para 4.643 casos nesse período. Só até abril de 2024, já havia sido aberto 174.795 novos processos em todo o país relacionados ao tema.
Especialistas apontam que esse ritmo acelerado é resultado não apenas da maior divulgação sobre direitos trabalhistas, mas também de decisões recentes que ampliaram o acesso à Justiça, como a concessão automática de justiça gratuita e a eliminação da responsabilidade do trabalhador por honorários contratuais em caso de pedidos negados.
Caso reconhecida judicialmente, a rescisão indireta assegura ao trabalhador os mesmos direitos que teria em uma dispensa sem justa causa, incluindo:
• Aviso prévio;
• Saldo de salário;
• Férias vencidas e proporcionais + 1/3;
• 13º salário proporcional;
• Saque do FGTS com multa de 40%;
• Habilitação no seguro-desemprego (se preencher os requisitos legais).
5. CONCLUSÃO
A rescisão indireta do contrato de trabalho é uma forma legítima de proteção ao trabalhador diante de condutas abusivas ou ilegais do empregador. Seu uso, contudo, exige cautela e robusta fundamentação probatória, sendo recomendável a orientação de um advogado especializado. A efetiva aplicação dessa medida contribui para a promoção de um ambiente de trabalho mais justo e equilibrado.
É um importante mecanismo de justiça nas relações trabalhistas, protegendo o trabalhador contra situações abusivas. Ao mesmo tempo, ela alerta o empregador sobre a importância de cumprir suas obrigações com responsabilidade e respeito.
Conhecer e aplicar corretamente essa modalidade de desligamento é um passo essencial na construção de ambientes de trabalho mais justos, equilibrados e produtivos.
A rescisão indireta deixa de ser alternativa marginal para ser ferramenta legítima e eficaz de defesa dos trabalhadores frente a abusos. O aumento das ações demonstra que o tema está no centro de mudanças culturais e jurídicas no Brasil e que empregadores e empregados precisam estar atentos.
Conhecer a jurisprudência e os números em evolução permite tomar decisões mais conscientes e estratégicas, seja para buscar reparação ou evitar litígios.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
https://www.capitalnews.com.br/economiaeagronegocio/economia/numero-de-acoes-de-rescisao-indireta-…
Tribunal Superior do Trabalho – TST. Jurisprudência sobre rescisão indireta. Disponível em: www.tst.jus.br.






